terça-feira, 18 de julho de 2017

71º dia - Destino Fairbanks (de avião)

Dia 06 de julho de 2017.

Eu fiquei até quase 3 horas da manhã acordado, fazendo back-up das fotos e filmagens e arrumando as coisas que não iriam junto com a moto para Fairbanks. Não estava muito preocupado em dormir pois não iria pilotar nas próximas 24 horas.

Me fascinava, toda vez que eu ia ao refeitório pegar um café, olhar lá pra rua e perceber que, apesar de ser alta madrugada, era dia claro. Eu ficava alguns minutos olhando aquela noite iluminada pelo sol, meio que querendo reter, na minha memória, cada detalhe  daquilo que eu estava vendo.

Seguramente foi nessa madrugada que me dei conta daquilo que havia feito: saído de Porto Alegre e, de moto, chegado até ali, um percurso de 25.510 km. Foi nessa madrugada ensolarada que "caiu a ficha".

Ficamos de entregar as motos na Lynden às 10:30h da manhã. Elas só seguiriam para Fairbanks às 18:00h, numa viagem que duraria cerca de 11 horas.

Levamos as motos e acompanhamos a amarração das mesmas nos "palets". O pessoal da empresa foi bastante cuidadoso. As motos foram com todas as nossas bagagens.






A volta para Fairbanks seria feita em um pequeno avião turboélice: Bombardier DASH 8-100, com um pouco mais que uma dúzia de assentos, da companhia regional Ravn Alaska.

Hora de dizer adeus à Prudhoe Bay.


Fui tirar uma foto dentro da pequena aeronave e a comissária de bordo, que estava lá no fundo falou, quase gritando, mais de uma vez:

"Don't take photo of me!"

Pensei comigo: Sai pra lá "coisinha do mal", porquê motivo eu ia querer tirar foto de ti?

Olha ela aí, atrás de mim na foto.


Quando o avião decolou e começou a sobrevoar a região de Prudhoe Bay, nós tivemos uma visão privilegiada de como é o terreno ali, e o porquê de não se conseguir asfaltar os quilômetros finais da Dalton Highway.

A frustração e, de certa forma tristeza, que estava sentindo por estar saindo daquele lugar de avião e não pilotando a moto, sumiram quando percebi o privilégio que era poder observar aquela lugar de cima, e compreender o porquê de tanta dificuldade para chegar ali naqueles quilômetros finais.

Observe o quanto é pantanoso a região no entorno de Prudohe Bay.


A Dalton Highway e o pântano.



Chegada no aeroporto de Fairbanks.



Fomos para o hotel, o mesmo que havíamos ficado na ida.
Amanhã pretendemos pegar as motos cedo e parte do grupo vai se dispersar.
O Carlo quer ir para Anchorage, outra grande cidade do Alasca, se encontrar com um grupo de amigos dele, motociclistas também.

Devemos seguir juntos por mais alguns dias eu, o Roger e Francisco, juntamente com sua filha, Diana.

O pneu traseiro, agora batizado pelo nada pomposo nome de "Zé Catapora", vai encarar um asfalto a partir de amanhã - ele vai ver o que é bom pra tosse. Eu havia rodado com ele apenas os 800 km de ida até Produhe Bay.

O Carlo falou mais de uma vez que a única moto preparada para enfrentar a Dalton Highway, das quatro que foram até o final, era a minha em função daquele pneu. Os outros todos estavam usando pneus mais para asfalto do que para chão batido ou rípio.

70º dia - Prudhoe Bay - Reunião

Dia 05 de julho de 2017.

Nos encontramos no refeitório, cerca de 9:00h da manhã, todos reclamando de dores musculares em função do tremendo esforço que fizemos ontem, principalmente nos últimos quilômetros da viagem.

Começamos a discutir que horas iniciaríamos a volta - não tinha muita coisa a se fazer ali a não ser um tour em um ônibus até o oceano ártico, mas que para isso teríamos que fornecer os dados do interessados com 24 horas de antecedência, como descrevi na postagem anterior.

Mas o fato é que não tínhamos condições físicas, nem psicológicas, de retornar hoje. Combinamos então de fazer o retorno amanhã - eu gostei da ideia pois pretendia utilizar a lavanderia do hotel  e lavar um monte de roupas - algumas estavam cobertas de barro da jornada de ontem.

Minhas roupas estavam em estado lastimável.

As motos então, nem se fala. Nem as placas dava para identificar.


Nessa reunião no refeitório, em determinado momento o Francisco perguntou à sua filha, Diana, se ela não queria voltar de avião até Fairbanks. Ele estava preocupado devido ao risco que íamos novamente enfrentar na volta - já sabíamos o que nos esperava.

Ela disse que preferia continuar com o pai, retornar com ele.

Então, alguém (não lembro quem) aventou a possibilidade de mandar as motos através de uma transportadora para Fairbanks, e todos voltarem de avião.

A ideia lançada agradou a todos, pois todos tínhamos passados momentos difíceis na vinda para cá. Se ao menos um de nós tivesse "tirado de letra" aquela travessia, talvez tentasse convencer os outros de voltar rodando, mas todos nós tínhamos passado muita dificuldade para chegar até ali.

Estava trabalhando na manutenção do hotel o Ervin, um rapaz com dupla cidadania: norte-americano e guatemalteco. Falava bem o inglês e o espanhol.

Peguntamos a ele se conhecia alguma empresa que pudesse fazer o transporte das motos até Fairbanks. Ele conhecia e, enquanto saíamos para tirar a foto "oficial" em frente ao "Produhe Bay General Store", ele fez uma busca para nós sobre preço e horários para despacharmos as motos de caminhão.
Thank you Ervin!

Saímos com as motos e fotos até o local oficial onde todos colam seus adesivos, tiram fotos e compram um souvenir do local:  Prudhoe Bay General Store.







Lembram que eu disse, na postagem de ontem, que esse local era observado pelos olhos atentos, "quase invisíveis", de todas as agências de segurança norte-americanas? Então, observando bem de perto, olha só quem colou seu adesivo aqui também.


Tinha também esse casal de canadenses marcando presença.

Depois paramos no único posto de combustíveis do local para abastecer: USD 4,80 o galão.


Quando chegamos de volta ao hotel/alojamento, o Ervin veio com a notícia: a empresa Lynden podia transportar nossas motos, cobrando USD 0,50 por libra, sendo estimado que cada moto pesava em média 500 libras, o que daria aproximadamente uns USD 250,00 cada moto.

Fomos então até a empresa a fim de saber se poderíamos despachar as motos hoje mesmo. Não dava, teria que ser no dia seguinte. Ficamos então de levar as motos amanhã até lá para despachar.

Na sequência fomos na agência de viagens que fica dentro do hotel para comprar as passagens para nós. Tínhamos a informação que a passagem aérea até Fairbanks ficaria em torno de USD 150,00, só que lá chegando, o preço era de USD 380,00, mais taxas. Estava ficando cara essa brincadeira.

Novamente surgiu o debate se não poderíamos voltar de moto. Foi comentado que, se alguém se acidentasse na estrada, o valor para despachar a moto mais a passagem aérea poderia ser barato em função dos custos de uma remoção de um acidentado desse lugar distante.

Em 2015 os gêmeos Juliano e Eduardo Generali, que trabalham no Brasil como instrutores de pilotagem e ministram cursos off-road para Big Trails e também como guias de viagem em grupo para vários destinos de aventura na América do Sul (Deserto do Atacama, Salar de Uyuni, Patagônia, etc) fizeram a rota Brasil/Alasca. 

Na volta de Prudhoe Bay, aqui na Dalton Highway, um deles caiu, quebrando a clavícula, tendo sido resgatado de helicóptero do local.

Aqui está o link do vídeo da viagem deles, inclusive o relato do acidente. O vídeo é longo mas se você quiser ver o relato do acidente vá direto para aos 37 minutos do vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=B8poJ8wdLLI&t=2338s

Se esses dois pilotos, que são do ramo do motociclismo de aventura, no mínimo uns vinte e poucos anos mais novos do que nós,  conhecedores de muitas técnicas de pilotagem em qualquer terreno, tiveram dificuldade em sair daqui, inclusive se acidentando, o que sobra para nós? 

Eu já havia alcançado o que havia me proposto: viajar de moto do Brasil até Produhe Bay. Missão cumprida. Sozinho eu não encararia aquela estrada de  volta.

A decisão então foi tomada: amanhã despacharíamos as motos pela Lynden até Fairbanks e compramos as passagens de avião para nós, com saída amanhã às 13:25h - vôo direto de Prudhoe Bay até Fairbanks.

O interessante é que, de tarde, encontramos no refeitório um casal de motociclistas, ingleses, recém chegados da estrada e estavam limpos, ela inclusive estava vestindo uma calça jeans, não se parecendo em nada com o estado das nossas roupas quando aqui chegamos ontem.

Isso comprova, mais uma vez, que as condições da Dalton Highway podem mudar radicalmente de uma hora para outra, tanto para melhor, quanto para pior. 

Nós, infelizmente, conhecemos o lado ruim da Dalton Highway.


sábado, 15 de julho de 2017

70º dia - Prudhoe Bay - a estrutura do hotel.

Dia 05 de julho de 2017.

Resolvi dividir a postagem desse dia em duas partes. Nessa primeira quero falar um pouco sobre a estrutura do Prudhoe Bay Hotel onde, creio que, a maioria dos motociclistas que fazem essa aventura se hospedam, e tão pouco falam sobre o local.
A segunda postagem sobre será sobre o nosso dia aqui e a decisão sobre a volta.


Para acessar as instalações do hotel você passa por uma espécie de ante-câmara onde deve tirar os calçados com os quais veio da rua ou colocar um protetor plástico nos sapatos (descartáveis) que ficam em uma caixa de papelão nessa ante-câmara.

As acomodações aqui são bem simples  e eu fiquei em um quarto pequeno, dividido com o Carlo (belga) e o preço por pessoa foi de USD 130,00. O banheiro fica no corredor, nas alas, que aqui são denominadas "wing" (asa). As janelas dos quartos são tapadas com um grosso plástico preto, coladas com fita "silver tape" para impedir a entrada da luz do sol que aqui, nessa época do ano, nunca se põe.
Como essa estrutura é destinada aos trabalhadores da indústria petrolífera, que trabalham em turno de revezamento de 12 horas, esse "escurecimento" do quarto se faz necessário.

É um quarto simples, com duas camas.

Vejam no detalhe da janela tapada com um plástico preto.

Dentro do quarto que ficamos tem uma placa escrita "Day sleeper" para ser colocada do lado de fora do quarto, a qual indica que aquele "hóspede"  trabalhou à noite e não deve ser incomodado, ou seja, não se deve fazer barulho nas "wings" do hotel/alojamento e nem a camareira deve acessar aquele quarto, enquanto a placa estiver do lado de fora.


Wings

O preço da diária (USD 130,00 p/p) inclui todas as refeições, em um restaurante/refeitório que fica aberto 24 horas. Qualquer hora do dia ou da noite você pode ir lá e comer o que tiver vontade.

Tem também várias lavanderias, creio que uma em cada "wing", com sabão, lava-roupas e secadora, também sem custo algum para os hóspedes.


Eu usei para lavar duas "bateladas" de roupas - estava precisando.

O café da manhã, almoço e janta tem horários pré-definidos e a comida é muito boa com uma variedade enorme de pratos.

Na entrada do refeitório tinha essa bandeira americana. Eu batia continência para ela toda vez que entrava no refeitório, nunca se sabe né????

Fora do horário "oficial" das três refeições, pode vir no refeitório e comer o que estiver disponível, a qualquer hora do dia ou da noite.
Salgadinhos.....

Frutas, iogurtes, sanduíches, pratos congelados para esquentar no microondas....



Cookies e donuts.

Bolos e pudins.

Refrigerantes, chás, café (sempre fresquinho), cereais, leite, tudo à vontade.

Comecei a ter uma ideia da importância que as reservas petrolíferas desse local tem para os Estados Unidos quando um de nós foi perguntar a respeito de um tour que existe para visitar o Oceano Ártico, no qual não se pode ir sozinho, tem que ser acompanhado.

Esse tour custa, se não me engano, sessenta e poucos dólares e é preciso fornecer os dados dos interessados com 24 horas de antecedência, por questões de segurança. Foi aí que comecei a juntar as peças e compreendi que esse fim de mundo está sob os olhos atentos e, quase, invisíveis de todas as agências de segurança norte-americanas, devido à importância estratégica que esse volume de petróleo aqui produzido representa.

Não é a toa que existe aquela Base Área (Eielson Ai Force Base) entupida de aviões de guerra nas cercanias de Fairbanks, que relatei na postagem do 68º dia.

Os trabalhadores daqui são muito bem remunerados. Ontem, enquanto aguardávamos na estrada a nossa vez de passar em um trecho em obras, o trabalhador que controlava o tráfego, com aquela placa de "Stop" ficou conversando com a gente. Ele é porto-riquenho e trabalha 14 x 14 ali em Produhe  Bay (como todos os demais trabalhadores).

Ele disse que ganha cerca de USD 10.000,00 ao mês e faz isso durante 3 meses ao ano. No caso dele, existe um adicional de insalubridade em função de que o material daquele rípio que eles estão sempre repondo (e molhando para minimizar a poeira), e ao qual ele fica exposto durante as 12 horas do turno dele é extremamente prejudicial à saúde, cancerígeno.



Falando com a senhora da recepção do turno do dia no hotel/alojamento, perguntei se ela gostava de morar ali, naquela localidade.

Ela me olhou com uma cara de "Como assim cara-pálida?"

Me disse que morava em Idaho, e que ninguém morava ali. Todas as pessoas que ali estavam trabalhavam duas semanas e iam embora para suas casas, em diversos pontos dos EUA.

"Aqui é uma área de segurança nacional, ninguém pode morar aqui" completou ela.

Só os ursos, pensei eu.

Na recepção do hotel tem uma foto advertindo quanto à presença de ursos em toda a área de Produhe Bay.

"Is this a joke?" perguntei.

"No, absolutely, it's serious¹"


Tem também uma agência de viagem, caixa eletrônico (ATM), uma cantina com produtos à venda (creio que bebidas alcoólicas).

Em frente ao hotel fica o aeroporto - dá para ir a pé.





69º dia - Destino O TOPO DO MUNDO

Dia 04 de julho de 2017.

"Suba a montanha não para fixar a sua bandeira, mas para abraçar o desafio. desfrutar do ar e usufruir da paisagem. Escale-a para que possa ver o mundo, não para que o mundo possa te ver." (David McCullough Jr.)

Combinamos de nos encontrar no café da manhã do hotel às 07:00h e tomar a decisão de sair, ou não, para o Topo do Mundo.

O dia amanheceu lindo em Fairbanks, tempo ruim não seria motivo de não partir.

O Manoel, mexicano amigo do Francisco, disse de antemão que não iria participar da "empreitada" porque havia tido taquicardia durante a noite e não queria partir para esse desafio, sabidamente difícil, com esse problema.

Os outros todos então, confirmados que a previsão do tempo era favorável, começaram  a arrumar as motos para a partida.

Conforme combinado, o Carlo reafirmou sua disposição de nos acompanhar somente até o marco do Círculo Polar Ártico.

Eram exatamente 08:25h da manhã quando as quatro motos, totalizando cinco pessoas pois o Francisco levava sua filha Diana de 18 anos na garupa, deixaram o estacionamento do hotel em Fairbanks.

Tempo excelente, porém intercalando entre sol e forte neblina nos primeiros quilômetros - neblina densa, forte mesmo, a ponto de a motocicleta que ia poucos metros a minha frente sumir, mas foi por pouco tempo.

Depois de alguns poucos quilômetros rodados, a neblina sumiu totalmente dando lugar à um céu com poucas nuvens, porém a temperatura mantinha-se baixa.

Paramos para registrar uma foto na placa que indicava o início da Dalton Highway, ou seja, o último e mais temido trecho da Alaska Highway, que começa no Canadá, na cidade de Dawson Creek. Essa placa fica á 133 km de Fairbanks.




A partir daí a estrada asfaltada começa a dar lugar à vários quilômetros de chão batido ou apenas rípio (ou gravel em inglês), mas nada que não se possa transpor com facilidade.

Ao longo de muitos trechos, a Alaska Highway é acompanhada por um imenso oleoduto, o Trans-Alaska Pipeline, um oleoduto que tem 48 polegadas de diâmetro e 1.287 km de comprimento.

Especula-se que por ele escoe, de Prudhoe Bay até Valdez (ambas no Alaska), entre 10 e 20% de todo o petróleo consumido pelos Estados Unidos, daí se tem uma ideia da importância econômica e estratégica, não só do oleoduto como também dos campos de produção de petróleo de  Prudhoe Bay.

Após 220 km rodados, já tendo passado até esse ponto por muitos trechos sem asfalto (chão batido de boa qualidade), chegamos ao Rio Yucon, transposto através de um ponte enorme, com o piso de madeira.



Nesse posto de abastecimento, logo após o Rio Yucon, pode-se tirar fotos embaixo do oleoduto.




Partimos então em direção à placa que indica o início do Circulo Polar Ártico, distante 128 km deste ponto.

Chegamos na placa, tiramos fotos e recebemos um "certificado" da nossa passagem por este local,. Este certificado é emitido por um casal de idosos que, vendo ali uma maneira de ganhar algum dinheiro, confeccionou um certificado e um carimbo (para o passaporte) para os turistas que vão até aquele lugar. A contribuição é voluntária, cada um dá quanto quiser, se quiser contribuir.

Da esquerda para a direita: 
Francisco e Diana (pai e filha - mexicanos), Roger (mexicano), Carlo (belga, residente no México) e eu.




Devidamente certificado!!

Passaporte carimbado.

Nessa altura o Carlo, que dali iria retornar à Fairbanks, estava tão empolgado com a qualidade da estrada e o clima favorável que resolveu seguir com os demais até o final . Mal sabia ele, tampouco  nós, o que nos esperava nos quilômetros finais da Dalton Highway - coitado dos "tiozões" aventureiros!

Logo após o rio Yucon tem um posto de abastecimento, depois desse somente outro em Coldfoot, e depois somente em Pudhoe Bay, à quase 400 quilômetros de distância de Coldfoot.

Último abastecimento, em Coldfoot. Depois desse, outro só daqui à 400 km.





Partiu Prudhoe Bay!!!!!!

Saímos empolgados daquele lugar. A paisagem foi ficando cada vez mais bonita.

Fomos nos aproximando do Atigun Pass, ponto em que a Alaska Highway e, consequentemente, a Dalton Highway atinge sua altitude máxima: 1.465 msnm (dado extraído do meu GPS após cruzar esse passo).

A medida que você viaja ao longo do Atigun Pass, você está indo sobre a Divisa Continental. Os rios situados ao norte do Atigun Pass desaguam no Oceano Ártico, enquanto que os rios situados ao sul, desaguam no Mar de Bering.

Nessa altura da viagem o tempo já não estava tão bom, sendo que já havíamos enfrentado alguma chuva, mas nada que causasse preocupação.

As vezes encontrávamos uns grupos de motociclistas vindo em sentido contrário. Cumprimentávamos com sinais de luz e acenos.

Ainda tinha gelo nesse rio, próximo do Atigun Pass.

Trans-Alaska Pipeline e Atigun Pass.


Foi nesse ponto, Atigun Pass, que a medida que íamos nos aproximando da descida começamos a avistar uma luminosidade entre duas montanhas e, de longe, não conseguíamos  definir o que era aquilo. Quando chegamos perto foi que percebemos que era um enorme arco-iris. Eu nunca tinha visto um arco-iris tão grande antes. Liguei a câmera e comecei a filmar aquele espetáculo da natureza.



Bom, já na descida do Atigun Pass, começou a nossa primeira grande dificuldade. Como vocês podem perceber no filme da passagem do Atigun Pass, o piso era de terra, e havia chovido recentemente, então nesse ponto as coisas começaram a ficar difíceis.

Além da dificuldade de manter a moto equilibrada naquele piso escorregadio que havia se transformado a Dalton Highway, ainda levávamos um banho de respingos de lama dos caminhões que vinham em sentido contrário, em alta velocidade, terminando por deixar a gente e as motos em estado lastimável.



Paramos a beira da estrada para que eu abastecesse minha moto com a gasolina extra que havia levado e seguimos. A próxima parada seria somente em Prudhoe Bay.

Os últimos 50 km, creio eu, foram uma verdadeira prova para todos nós e, principalmente, para o Francisco que  levava sua filha na garupa.

O terreno a alguns quilômetros da chegada à Prudhoe Bay é pantanoso, não permitindo seu asfaltamento devido à grande variação de temperatura ao longo do ano, o que faria com que, se asfaltado fosse, sofrer constante e caríssima manutenção  devido ao congelamento e descongelamento das camadas abaixo da estrada.

Por esse motivo, nestes últimos e pantanosos quilômetros a Dalton Highway é constantemente coberta por uma camada generosa de "gravel" (cascalho, brita, rípio).

Trafegar nesse tipo de piso, para pessoas que nunca tiveram experiência em off-road como eu, com uma camada, seguramente, de uns 10 cm desse material é extremamente cansativo e estressante, e pior: perigoso, ainda mais com motos carregadas ao extremo.

Se parar a roda da moto afunda, se andar muito rápido é queda com certeza. Mesmo rodando bem devagar é um susto a cada metro, e foram muitos quilômetros rodando nesse piso. Eu estava tão tenso que não conseguia tirar minha mão do guidão da moto para ligar a câmera no capacete a fim de registrar aquele inferno em que eu, e os demais, tínhamos nos metido.

A Dalton Highway é destinada para veículos pesados trafegarem - grandes caminhonetes e caminhões que vão e vem de Produhe Bay, transportando maquinário para a indústria petrolífera.


Em um determinado trecho o tráfego estava temporariamente interrompido: eles estavam instalando um tipo de isolante térmico (um material branco, que tem a aparência de grandes placas de isopor) para tentar diminuir o efeito da variação de temperatura e, quem sabe no futuro, conseguir asfaltar essa parte da rodovia.

Passado os intermináveis quilômetros rodando naquele inferno, quando já estávamos quase chegando no nosso destino, o pneu traseiro da moto do Francisco furou. Fomos para um refúgio a beira da estrada e, após um trabalho de equipe, o pneu foi reparado.





Eram 22:45h de uma noite ensolarada quando chegamos em frente ao Prudhoe Bay Hotel, um hotel/alojamento destinado, prioritariamente, a abrigar trabalhadores da indústria do petróleo mas que também recebe uns "loucos" de vez em quando.






Estávamos com fome, exaustos, cobertos de lama, debilitados física e psicologicamente, mas felizes, mesmo após quase 15 horas, quase que consecutivas, de pilotagem.


Eu particularmente, nem tive tempo de comemorar o feito, não pensava em outra coisa a não ser comer qualquer coisa e descansar. Somente algumas horas mais tarde é que iria saborear o gosto de ter cumprido o  desafio a que tinha me proposto.

Fomos deitar com a gostosa sensação de ter vencido um desafio.

Segundo dados que li na publicação de um outro motociclista que também foi até lá, somente 2 em cada 100 motociclistas que saem com esse objetivo, chegar a  Prudhoe Bay,  obtém sucesso.


Lá fora o sol brilhava forte: havíamos chegado na terra do sol da meia-noite.


Rodamos nesse dia 802 km.
Coordenadas do hotel: N70° 12.038' W148° 27.514'