segunda-feira, 10 de julho de 2017

68º dia - Destino Fairbanks - Alaska (USA)

Dia 03 de julho de 2017.

Bom, nessas alturas eu já contava com a cumplicidade do "Bruce", afinal não seriam nesses 300 km finais que ele ia me deixar na mão.

Saímos em direção da cidade de Fairbanks, o polo que aglutina aventureiros do mundo inteiro que estão se dirigindo ao Círculo Polar Ártico ou ao Topo do Mundo.

Vou abrir um parênteses aqui para explicar três coisas.

1) Existe o estado do Alasca (onde eu entrei no 67º dia da minha viagem). Muita gente, por opção, tira foto na placa de entrada do estado do Alasca e dá por concluído o seu desafio, ou seja lá o que ele se propôs.

2) Existe o Círculo Polar Ártico, que é "uma linha imaginária no planeta, ao norte da qual há pelo menos um dia de noite absoluta (24 horas de escuridão) no inverno e pelo menos um dia de luz absoluta (24 horas de sol) no verão boreal (sol da meia noite) por ano."  Em nossa rota, ele fica, a mais ou menos, 480 km antes de  Produhe Bay (o Topo do Mundo).
As principais áreas pelas quais passa o Círculo Polar Ártico são o estado norte-americano do Alasca, o norte do Canadá, o sul da Groenlândia, o extremo norte da Islândia, o norte da Escandinávia e o norte da Rússia; e

3) Existe o Topo do Mundo que fica na cidade de Deadhorse (Prudohe Bay) e, segundo dizem, é o ponto mais extremo ao norte das américas, que se pode chegar por via terrestre, ou seja, rodando.

Na postagem anterior eu havia comentado que a cidade de Tok era o trampolim dos aventureiros que se dirigiam ao Topo do Mundo, mas eu estava enganado.

O verdadeiro trampolim, agora eu percebo, é a cidade de Fairbanks, pela estrutura que ela tem a oferecer em todos os sentidos aos que se dirigem para Prudohe Bay.

O trecho da Alaska Highway que liga a fronteira do Canadá até a cidade de Fairbanks, no estado do Alasca, foi batizada de "Purple Heart Trail", uma homenagem aos detentores da Medalha Coração Púrpuro, uma honraria outorgada, em nome do presidente dos Estados Unidos, à todos os integrantes das forças armadas norte-americanas, mortos ou feridos nos campos de batalha em defesa de seus ideais. A Medalha "Purple Heart" é a mais antiga condecoração militar dos Estados Unidos.

E aqui, na "Purple Heart Trail", o "Bruce" se sentiu homenageado, afinal ele também tinha sido ferido em um campo de batalha, ferido de morte, e nada mais justo que rodasse aqui, nessa rodovia, seus últimos quilômetros.

Devoramos os trezentos e poucos quilômetros que nos separavam da cidade de Fairbanks em pouco mais de 3 horas.

Na cidade de North Pole, poucos quilômetros antes de Fairbanks, no lado direito da "Purple Heart Trail", passamos por uma enorme base aérea (Eielson Air Force Base), entupida de aviões de guerra, de tudo quanto é tipo, sinal da importância estratégica que esse estado americano tem para os EUA, e em uma próxima postagem vou comentar sobre isso.

Também na cidade de North Pole, do lado esquerdo da Alaska Highway fica a Santa Claus House, ou a Casa do Papai Noel, uma construção cafona que, na minha opinião, não passa de um verdadeiro caça níqueis de turistas, aproveitando-se do nome peculiar da cidade.

Chegamos em Fairbanks e fomos direto para a revenda Trails End BMW, creio que a maior do ramo de motocicletas da cidade.

Chegando lá, encontramos o Francisco com sua filha e o Manoel, encostados em suas motos com cara de desanimados - embeiçados eu diria.

Perguntamos o que tinha acontecido e eles falaram que não quiseram substituir os pneus da motos de ambos.

Foram atendidos de má vontade pelo pessoal da concessionária. Disseram que iam fechar a concessionária às 15:00h porquê amanhã era feriado de 4 julho e já estavam com os mecânicos ocupados até a hora do fechamento.

Que voltassem dia 5 (quarta-feira).



Em qualquer concessionária BMW do mundo, quando chega alguém de fora, em viagem, por menor que seja essa viagem, esse motociclista vai para o topo das prioridades - essa é uma política mundial da BMW.

Aqui não funciona assim. Aqui tu vai entrar na fila, e se não tiver ninguém na fila, eles criam uma fila pra você entrar e te põem por último - os caras são ruins de manobra e eu já sabia disso. Durante minhas pesquisas, tinha lido isso em blogs de outros motociclistas que passaram por esse constrangimento.

Olhei para o "Bruce" e pensei:

Putz, não tenho condição de ir com esse pneu mais 800 km daqui até Produhe Bay - o Topo do Mundo.

Eu ia ter que ficar aqui, em Fairbanks, "estacionado" até quarta-feira para só então partir para a última etapa da minha aventura.

Nisso o Roger foi lá dentro falar sobre o problema da moto dele, afinal ele tinha um chamado oficial da BMW para fazer o "recall" da suspensão dianteira que, segundo a própria BMW, se não fosse feito o conserto poderia causar um acidente com consequências imprevisíveis.

Fiquei ali na frente, juntamente com o Francisco e o Manoel, conversando.

Dali a pouco o Roger volta, embeiçado e triste também.

"¿Que pasa?"
"¡No quisieron saber ni el color de mi moto!"

Galera, na etapa sul-americana rumo ao Topo do Mundo, eu, o Nilton e o Rocha levamos nossas motos na concessionária BMW de Cali (Colômbia) e só faltou nos carregarem no colo. Depois eu levei a Azulona em Bogotá e foi a mesma coisa: prioridade máxima.

Em Denver, estado do Colorado, também fui muito bem atendido, mas aqui a fama desse povo já é conhecida.

Fiquei ali, sem saber o que fazer.

Três mexicanos embeiçados, destratados pela concessionária BMW, e olha que a moto deles é a top do segmento: BMW 1200GS Adventure - coisa de oitenta e poucos mil reais, cada uma delas, no Brasil.

O que ia sobrar pra mim?

- Vai lá!

Disse um deles para mim.

Entrei na enorme concessionária, que na verdade, vende também Harley Davidson, KTM, Honda, Polaris e não sei mais o quê.

"I'm looking for tires for my bike" - tinha decorado essa frase, antes de entrar, pois pelo menos a primeira barreira eu tinha que passar.

O recepcionista, muito atencioso, apontou para um balcão, falou um monte de coisa em inglês que eu nem quis saber o que era, agradeci, e me fui pro tal balcão.

Lá chegando, repeti a frase decorada, e acrescentei o modelo da moto.

O atendente me apresentou então uns quatro modelos de pneus para eu escolher. Olhei com atenção e entre eles estava o Heidenau K60, sonho de consumo meu e da Azulona.

Já estava quase fechando negócio para levar o pneu comigo (a substituição do pneu ali eu já sabia que não ia rolar) quando me chega um galego, saído lá de dentro e começa a falar com o guri que me atendeu.

Aí esse galego se vira para mim e pergunta (isso eu entendi) se eu estava indo para Produhe Bay.

- Yes!

Pronto, o cara me leva pelo braço até o mostruário de pneus e, parecendo uma metralhadora, fala sem parar, mostrando para mim os diversos modelos de pneus, e eu ali, sem entender quase nada do que ele estava dizendo.

Eu só dizia "Yes", para não dar na vista que eu tava mais por fora do que bunda de índio.

Entendi quando ele falou "wait" e "stock". Ele tinha pedido para eu aguardar para ver se tinha em estoque.

Achei que era o K60 - fique ali, feliz da vida esperando.

Minutos depois o cara me aparece com um pneu "biscoitudo" até a alma - não era o K60 dos meus sonhos, nem aqui e nem na China.

Era um pneu 90% off-road e 10% on-road, ou seja, dava pra ir até no inferno com aquele pneu, se o caminho para lá fosse de brita, rípio, areia, "gravel", cocô, etc, menos asfalto.

Eu ia comprar um pneu para rodar, essencialmente, em off road, só para fazer 1600 km (ida e volta de Produhe Bay) e depois começar a volta para casa naquele asfalto lisinho do Canadá e EUA.

Como não consegui argumentar nada com aquela metralhadora humana, falei para ele (outra frase decorada):

"Okay, I need to change it now."

Se ele dissesse que não, como disseram para o Francisco e Manoel, eu nem comprava aquele pneu, comprava o K-60 e vazava.

Pois o cara foi lá no balcão de serviços, falou com os responsáveis pela execução da troca (os mesmos que não quiseram fazer o serviço na moto dos Francisco e Manoel), e......

"Ok, bring the bike here" disse ele apontando para um espaço.

Não acreditei. Não era o pneu que eu queria, teria que rodar com esse "biscoitudo" depois no asfalto lisinho até, provavelmente, chegar na Flórida, mas e daí?

Pra quem tá se afogando, jacaré é toco!

Substituí o "Bruce" por esse pneu com catapora, todo embolotado.



Falei para os demais que estavam lá fora e ninguém entendeu nada. Como eu consegui que os caras substituíssem o pneu da minha moto se eles tinham sido enjeitados pela concessionária.

Eu também não sei!

Enquanto eu aguardava, lá dentro a substituição do pneu, lá fora estava se formando o grupo que iria tentar fazer a primeira pernada dos 800 km rumo à Produhe Bay.

O Francisco e o Manoel resolveram esperar o término do serviço na minha moto para juntos, agora em quatro motos, seguirmos até Coldfoot, 400 km dali, meio caminho para o Topo do Mundo. Como aqui o sol não se põe, poderíamos pilotar até a meia-noite se quiséssemos.

Dali a pouco chegou o Carlo (um belga que mora no México), pilotando uma Moto Guzzi 1200, para fazer a substituição da bateria da moto dele - só para isso.

Pois foi convidado a compor o grupo. Aceitou com a condição de ir só até a placa do Circulo Polar Ártico.

Disse que a moto dele não estava preparada para enfrentar a famosa Dalton Highway,  que nada mais é do que os 400 quilômetros finais da Alaska Highway, o trecho mais difícil de toda a Alaska Highway.

Abastecemos. Todos compraram mais reservatórios extra para gasolina (eu já tinha o meu), e fomos para a estrada - 5 motos agora.

Eram 15:30h quando iniciamos a tentativa de enfrentar a Dalton Highway.

Já tínhamos rodado uns 70 km quando o Roger encontra, voltando de Produhe Bay, um amigo dele, que inclusive já ficou hospedado em sua casa no México: Cirilo, gaúcho de Santo Antônio da Patrulha que está fazendo a rota Ushuaia/Produhe Bay em uma Toyota Hilux preparada para aventura - mundo pequeno esse.


Cirilo,  de óculos escuros e camiseta branca. O outro é amigo dele, fazendo uma parte do trecho.


Conversamos com o Cirilo sobre as condições da estrada. 

Ele disse que estava muito ruim mesmo. Inclusive tinha encontrado um motociclista, brasileiro que estava com a namorada engarupada e não estava conseguindo seguir adiante na rodovia, estava apavorado - tinha ficado "preso" em um trecho cabuloso da Dalton Highway. 

Pediu que ele colocasse a namorada na Hilux pois tentaria sair de lá sozinho, sem garupa seria mais fácil. Não sei porquê motivo ele disse que não pode ajudar o infeliz.

Nos despedimos do Cirilo e seguimos adiante. 

No horizonte estava se configurando uma tempestade daquelas - raios e trovoadas.

Paramos alguns quilômetros adiante para decidir se seguíamos ou voltávamos para Fairbanks.




Aqui, na Dalton Highway, as condições de trafegabilidade podem mudar em questão de minutos, tanto para melhor, quanto para pior. Se você der o azar de passar por um trecho de chão batido minutos após, ou durante uma chuva, vai encarar um sabão. Se passar 1 hora depois da chuva pode ser que você nem perceba nada.

Por unanimidade resolvemos voltar para Fairbanks e amanhã, se as condições climáticas forem propícias, faremos uma nova tentativa.

Na volta para Fairbanks ainda pegamos uma ponta daquela tempestade, mas ainda estávamos rodando em asfalto perfeito.


Nos instalamos no hotel onde já haviam pernoitado o Manoel e o Francisco para, amanhã cedo, reavaliarmos se iríamos tentar de novo, ou não.

Já era quase meia-noite quando tirei essa foto da janela do meu quarto, das motos estacionadas lá fora. Aqui em Fairbanks, a noite já não tinha mais força.


Rodamos nesse dia 535 km.
Coordenadas do hotel: N64° 50.755' W147° 46.384'


8 comentários:

  1. Fantástica viagem! "Estamos" quase lá! Abraço amigo!

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  2. Emocionante!! Pelo jeito, nessas altas latitudes por onde andas, a concentração de malucos e aventureiros por Km² é recorde mundial. Público seleto esse, no qual te incluis com louvor!! Desfrute....... Grande abraço.

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    1. Bem colocado gerentão. Tem de tudo aqui. Eu sou apenas mais um.....kkkkk
      Abraços.

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  3. Bela aventura, Edison, acompanhando cada dia aqui.

    "Pediu que ele colocasse a namorada na Hilux pois tentaria sair de lá sozinho, sem garupa seria mais fácil. Não sei porquê motivo ele disse que não pode ajudar o infeliz."

    A Hilux do Cirilo não tem o banco traseiro, e no Camper da caçamba não se pode viajar.

    Bons ventos...

    Cesar "CZARr" Valadão

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