segunda-feira, 26 de junho de 2017

57º dia - Destino Albuquerque (Novo México) - USA

Dia 22 de junho de 2017.

Então o pior aconteceu: tudo o que eu mais temia que viesse acontecer, desde que a moto começou a falhar lá em Honduras, no 40º dia dessa minha aventura, aconteceu hoje.

Me vi sozinho em uma auto-estrada americana, no meio de um deserto do estado americano do Novo México - a bomba de combustível havia queimado.

Eram exatamente 14:03h (esses dados precisos são gravados no GPS e colhidos  quando chego ao meu destino, no final do dia) quando à, aproximadamente 215 km de El Paso (Texas), o motor da moto parou, estancou totalmente.

Eu sabia, quase que por intuição, que a bomba de combustível da moto tinha dado ali seu último suspiro, naquele deserto do estado do Novo México. Vocês não imaginam o calor que estava, creio que estava perto dos 40ºC.

Mas para continuar a contar essa aventura vamos ter que retroceder algumas horas no tempo.

Na noite anterior, eram 22:24h, eu estava já deitado, finalizando no computador o roteiro do próximo dia para transferir para o GPS, e também me preparando para dormir, quando recebi a mensagem abaixo, via messenger.


Era o Roger Tovilla, mexicano do estado de Chiapas, estado esse que eu havia passado quando entrei no México vindo da Guatemala, porém, até então, não sabia de quem se tratava.

Ele havia me encontrado por uma sugestão do Facebook, de pessoas que tem interesse em comum, no caso: viagem de moto ao Alasca.

Ele também estava indo para o Alasca de moto, porém por um trajeto diferente do meu. Coincidentemente, ou não, nossos roteiros se cruzariam da cidade de El Paso (Texas) até a cidade de Albuquerque (Novo México). Dali eu seguiria para o oeste dos Estados Unidos, em direção ao Monument Valley e depois para San Francisco (Califórnia), e ele seguiria, quase em linha reta, em direção ao norte, a  fim de alcançar o Canadá, e posteriormente o Alasca, por um caminho mais curto.

Pois bem, respondi a mensagem dele e falei que estava na cidade de Alpine e que passaria pela cidade de El Paso (onde ele estava hospedado) e que sim, poderíamos nos encontrar a fim de fazermos o trajeto desse dia juntos. Combinei então de passar no hotel em que ele estava hospedado entre 11:00 e 12:00 horas (ele me passou as coordenadas do hotel e eu inseri no GPS, não tinha erro!).

Saí do motel em Alpine às 06:55h, passei em um posto de gasolina, ainda dentro da cidade, para abastecer onde encontrei o Greg Clevenger (hello Greg, nice to meet you!) abastecendo sua Harley Davidson para também seguir em viagem. Mesmo com muito dificuldade em função dos meus parcos conhecimentos de inglês, consegui conversar com ele e falei sobre a minha viagem.

A viagem até a cidade de El Paso, ainda no estado do Texas, seguiu de maneira espetacular. Quando alcancei a I-10 (Interstate 10) eu estava no paraíso. A estrada era tão boa que, para vencer os 355 km que me separavam de Alpine à El Paso eu levei menos de 3 horas, ou seja, a minha média de deslocamento foi superior à 100 km/h.

Cheguei mais cedo do que esperava no hotel em que o Roger estava hospedado. Lá chegando conversei com ele e frisei que da cidade de Albuquerque em diante meu roteiro seria diferente do dele - a sensação de liberdade ao se viajar sozinho de moto é indescritível, principalmente agora que eu estava rodando nos Estados Unidos.

Partimos então em direção à Albuquerque, estado do Novo México. Eu nesse primeiro trecho fui na frente e ele me seguindo. Paramos na pequena cidade de Socorro, já no estado do Novo México, para abastecer e daí em diante combinamos que ele iria na frente. 

Há exatos 50 km depois do abastecimento aconteceu o que eu mais temia. 

O Roger ia na frente, com a sua BMW 1200GS Adventure, quando de repente o motor da minha moto, sem ao menos dar um aviso, uma falhada sequer, apagou.

Eu vi a moto do Roger sumir logo após uma leve curva, e após essa,tinha uma descida. Ainda cheguei a gritar, dentro do capacete, como se ele pudesse me ouvir. 

Silêncio total, só o barulho do vento zunindo no meu capacete enquanto a moto perdia velocidade e eu levava ela para o acostamento.

Eu estava no deserto de Chihuahua, que cobre parte do México e Estados Unidos, vindo a ser o segundo maior deserto da América do Norte, com uma área de 362.000 km².

Eu não estava acreditando que aquilo estava acontecendo, se ao menos eu estivesse na frente ele com certeza iria parar junto no acostamento, mas não estava. 

Parei a moto e já sabia do que se tratava: a maldita bomba de combustível, que vinha me avisando que iria me deixar na mão desde Honduras, deu ali, no meio daquele deserto, seu último suspiro. 

Eu vinha sentado sem saber, desde que saí de Porto Alegre, literalmente em cima de uma "bomba" (ela fica situada exatamente embaixo do meu assento).

Desci da moto, fiquei olhando os carros passarem em alta velocidade, olhei para os lados da rodovia, só deserto.

Esperei uns longos minutos. Me lembrei imediatamente no que havia dito ao Roger:

"Da cidade de Albuquerque em diante nossos roteiros serão diferentes".
- Ele não vai voltar! pensei... (desculpe Roger por pensar assim).

O calor era insuportável. Não iria adiantar de nada ficar ali parado, sem fazer nada. 

A bomba de combustível original, que eu havia substituído por precaução em Porto Alegre por essa nova, estava no fundo da bolsa amarela. Eu nunca pensei em fazer essa substituição sozinho, pois não levo jeito para mecânico, porém eu tinha um pequeno vídeo, que gravei em meu celular, baixado do Youtube, de como fazer a substituição da bomba. Eu não tinha opção.

Deserto no Novo México: bomba de combustível queimada.


Aí está a bandida!



Eu já havia tirado toda a bagagem da moto, tinha tirado o banco fora para acessar a bomba de combustível quando, de repente, eu escuto o ronco de uma moto e vejo, na pista do outro lado da auto-estrada, o Roger, em alta velocidade buzinando e abanando como se dizendo: voltei!!!

Eu não acreditava no que estava vendo, o mexicano tinha voltado para me ajudar.

Demorou um pouco até ele achar um retorno, cerca de, creio eu, uns 10 minutos. Quando ele chegou coloquei ele a par da situação e vi um ponto de interrogação em cima da cabeça dele. Ele também não tinha a mínima ideia de como substituir a bomba de combustível de uma BMW F800GS.  Aí mostrei para ele o vídeo no meu celular e juntos fizemos a substituição da bomba.

Ligamos a moto e ela pegou de imediato. Felizes, tiramos fotos para registrar aquele momento,

Comemoração prematura! 


Bomba substituída, prontos para partir.


Na sequência desliguei a moto para colocar o banco no lugar e recolocar todas as minhas bagagens nos seus devidos lugares. Quando eu subi na moto e liguei novamente o motor.........nada!!!

Só aquele "nhém, nhém, nhém.....e nada da moto pegar.

¡No creo!

A bomba reserva havia queimado também? Justamente ali, naquele deserto? Duas bombas queimarem?!?

O Roger rebocou então minha moto com uma corda que eu levo, exatamente para essas emergências, até uma descida, aquela que eu vi ele sumir, pois logo adiante tinha um viaduto que cruzava a auto-estrada e lá poderíamos, pelo menos, ficar em uma sombra até decidirmos o que fazer.

Ladeira abaixo....


Enquanto eu descia na "banguela", já com a corda desconectada da moto dele, parou uma caminhonete de uma empresa e o motorista começou a falar com o Roger lá na frente (eu descia devagarinho). Paramos os três (um brasileiro, um mexicano e um norte-americano), embaixo do viaduto e ficamos tentando descobrir qual a causa do "apagão" da moto, já que a bomba substituída tinha funcionado bem em um primeiro momento.

Dali a pouco o norte-americano sugeriu que poderia ser a "spark". Spark  é a vela de ignição em inglês, que em espanhol é "bujía" e em português é vela, então vocês imaginam o quanto estávamos nos entendendo - aquilo estava virado em uma torre de babel.

Vale frisar que, no momento em que o norte-americano parou para ajudar, ele já saltou da caminhonete com um frasco de 1 litro de uma bebida, tipo Gatorade, para que nos hidratássemos e um frasco de uns 2 litros de água para a gente molhar a roupa (prática comum para quem anda de moto nessa região dos EUA). Aquela ajuda chegou em boa hora pois estávamos realmente já ficando desidratados.

Em determinado momento perguntamos ao norte-americano se ele conhecia o número telefônico de um guincho (eles usam o termo "truck" aqui nos EUA) a fim de rebocarmos a moto até a cidade de Albuquerque (onde tinha uma concessionária BMW), no que ele respondeu que sim, mas seria muito caro.

Perguntamos o que seria "caro" nesse caso.

- "Six dólares for mile!" respondeu ele.

Estávamos a quase 160 milhas de Albuquerque, imagina então a "mordida" que eu ia levar (quase USD 1.000,00).

Quando eu fiz o cálculo de quanto ia sair essa brincadeira, tonteei!

- Põe caro nisso!

Ficamos ali, os três, sem saber o que fazer (nessas alturas, aquele cidadão norte-americano já tinha se solidarizado com a gente - o problema era dele também!)

Depois de um tempo o Roger sugeriu que tirássemos a bomba de combustível novamente, pois o problema só poderia ser nela.

Tirei novamente todas as coisas de cima da moto, tirei o banco da moto e removemos a bomba. 

Tasqueopariu!!!!! - gritei em português, espanhol e inglês, a fim de que todos entendessem.

Olha só o que descobrimos: a mangueira de descarga da pequena bomba havia se soltado assim que o motor exigiu mais vazão de combustível, pois estava sem uma abraçadeira (não sabemos aonde foi parar). 

Recolocamos a mangueira no lugar, improvisamos uma abraçadeira e, após colocar tudo novamente no lugar, nos despedirmos daquele norte-americano anônimo que tão gentilmente se solidarizou com a gente e nos socorreu naquele momento difícil (ficamos tão felizes que esquecemos de tirar uma foto e perguntar o nome dele) e seguimos em direção à cidade de Albuquerque. Desta feita eu fui na frente, por precaução.

Chegamos lá quase 19:00h, nos instalamos em um hotel e fomos à uma loja de autopeças que, aqui nos EUA, ficam abertas até às 21:00h, compramos uma abraçadeira.

Fizemos a substituição da "gambiarra" pela abraçadeira no estacionamento do hotel, tomando umas cervejas e creio que, já passado dás 21:30, demos por resolvido o problema.

Aí nesse local, á noite, concluímos a manutenção da moto.


Aí você pergunta: porquê substituir uma bomba original, que estava funcionando perfeitamente, por uma outra, que além de tudo, não era original?

Vou explicar resumidamente: 
Antes de iniciar essa viagem consultei, em fóruns e em grupos no Facebok, quais eram os componentes dessa moto que poderiam vir a dar problema ao longo de uma viagem dessa envergadura. 

Segundo minha pesquisa, além do trivial ou seja, óleo, filtros, velas, pastilhas de freios e pneus, deveria ser dado atenção especial aos rolamentos das rodas, mesa de direção e também à bomba de combustível, que já tinha um histórico de, a partir de 40.000 km apresentar problemas. 

Nessas mesmas fontes, o pessoal apresentava como alternativa à bomba original, que custa R$ 2.900,00 nas concessionárias, a bomba Bosch, usada no Gol 1.0 (Bosch T-103) e que custa em qualquer loja de autopeças entre R$ 150,00 a R$ 200,00. Diziam que era exatamente a mesma.

O que você faria eu não sei, mas eu comprei a Bosch T-103.

Pois bem, quando levei a bomba ao Joadir, (mecânico especialista em mecânica BMW na cidade de Porto Alegre) para instalação, ele me advertiu que a pressão mínima de descarga dessa bomba estava aquém da mínima requerida para o funcionamento do motor - se não me engano ela trabalhava em uma faixa de 3 a 4 Bar, sendo que a mínima requerida é 3,5 Bar e que, a pressão excedente o sistema eletrônico descarta, porém em caso de falta de pressão, a bomba mantém o motor funcionando, porém aquece e tende a falhar, podendo queimar - foi o que aconteceu.

Argumentei que essa bomba tem sido usada por outros proprietários e que ninguém tinha registrado problemas e disse que iria substituir assim mesmo. 

Claro, em pequenas viagens, ele me disse por mensagem via whatsapp, a bomba até suporta essa deficiência de pressão baixa, mas em um regime forçado como esse que estou imprimindo durante 57 dias, exigindo tudo da máquina, praticamente todos os dias, não tinha como essa deficiência de pressão não resultar na queima da bomba.   

Resumindo: eu não posso reclamar pois fui advertido por quem conhece a máquina.

Fico arrepiado só de pensar se isso tivesse ocorrido naquela reta da Zona del Silêncio ou, pior, naquela reta extremamente deserta entre a cidade de Jimenez e Ojinaga. Sinceramente, não sei estaria escrevendo esse texto agora.

Após esse incidente, enquanto pilotávamos em direção da cidade de Albuquerque, eu entendi que o encontro com o Roger, de uma maneira tão inusitada, não foi fruto de mera coincidência. Entendi como uma, digamos assim, "dica", que eu não deveria seguir viagem sozinho rumo ao Alasca. 

Conversei com ele sobre isso na cidade de Albuquerque, e a partir daí vamos juntos até o Alasca e de lá voltamos pela costa oeste dos Estados Unidos, sendo que ele volta para o México através de San Diego (EUA) Tijuana (MEX) e eu, talvez, a partir de San Francisco cruze os EUA de oeste para leste, em direção ao estado da Flórida.

Rodei nesse dia 802 km.
Coordenadas do hotel: N35° 06.445' W106° 36.369'

12 comentários:

  1. O que concluímos desse relato, é que vc não está viajando sózinho Coimbra! DEUS está contigo na realização desse sonho! Abraço parceiro!!!!

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  2. É isto.
    Nada acontece por acaso.
    Forte abraço.

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  3. Gaúcho, que situação heim? E eu aqui reclamando da minha embreagem. Sua situação foi a mais perigosa. Fico feliz por estar andando junto com um amigo. Go to Alaska

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    1. É verdade Rocha. Eu me borrava de medo que isso acontecesse quando estava naquela reta deserta, rumo à fronteira com os EUA.
      Abração

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  4. Oi Coimbra, estou acompanhando seus relatos. É preciso muita coragem e determinação para esta aventura (seu sonho). Deus está contigo e vai dar tudo certo. Um grande abraço.

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    1. Obrigado Vieira. Agora já estou no Canadá, Calgary, acompanhado do meu mais novo amigo de infância. o mexicano Roger.
      Abração.

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  5. Siga com Deus , Coimbra. Ele nos põe em provações,mas sempre coloca sua mão á nos proteger. Você está fazendo sua história, não desista de seu sonho.Abraço e até breve.

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    1. Muito obrigado Lopes. Cada um de vocês que acompanha meus relatos aqui é mais uma força para eu seguir até o objetivo final dessa aventura.
      Abração.

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  6. Não pensei que tinha sido tão sério voce me contou tão Light!! Miguel e maravilhoso! Mais uma vez.

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    1. Não posso distribuir o stress para quem está tão longe né? Depois que a gente resolve ai sim, dá a real....kkkkkk
      Bjs.

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